"Que Deus me perdoe, mas quando criança
tinha vergonha de ser judeu"
As palavras em tom de expiação
de Steven Spielberg resumem bem o sentimento do cineasta em
relação á sua infância, sua origem e, principalmente, sua
redenção. Ao lançar "A Lista de Schindler",
em 1993, o cineasta não estava apenas dando o mais bem acabado
passo de sua carreira até então - mas fazia as pazes com seu
próprio passado. Quem o conhecesse quando criança, antes de
completar seus doze anos, jamais imaginaria quem um dia o
pequeno Steven seria o mais idolatrado, conhecido e adorado
diretor de cinema do século. Mas sua trajetória começou cedo,
em meio á discriminação e as dificuldades de adaptação enfrentadas
ao longo de sua infância - e as histórias de seu aprendizado
são tão fascinantes quanto os filmes que ele concebeu.
A maior dificuldade enfrentada
por Steven resumia-se no fato de seu pai, engenheiro elétrico,
mudar-se constantemente arrastando toda a família. Além disso,
o fato de ser judeu tornava-o vítima de uma discriminação
que o fez sentir na pele a vergonha de sua própria religião.
Os colegas de escola batiam nele e, não obstante, ele mal
tinha tempo de conhecer os vizinhos antes de estarem mudando
de estado mais uma vez. Mas esse sentimento era compartilhado,
por exemplo, com sua mãe, Leah, que recusava-se a morar em
bairros judeus e comparecia à sinagoga somente quando estritamente
necessário - ou perante uma convocação.
As coisas pioraram à medida
que o jovem Steven crescia. Na biografia Spielberg - The
Man, The Movies, The Mythology o escritor Frank Sanello
registra uma recordação do diretor: os garotos da escola escreviam
"judeu" nas paredes e jogavam moedas no chão à sua
frente, esperando que ele se abaixasse para pegá-las e, por
fim, provasse "o quão miseráveis são os judeus".
Suas três irmãs também sofriam com o precoceito mas a coisa
piorou no dia em que Spielberg apanhou feio do valentão da
escola e chegou em casa todo machucado. "Daquele dia
em diante, minha mãe tinha que vir me apanhar na saída da
escola, todo o dia" recorda o diretor. A vergonha era
maior ainda quando seu avô insistia em sair na rua com as
vestes pretas e o chapéu tradicional de judeu.
A situação começou a mudar quando
Steven descobriu o cinema e o poder da câmera. Sua primeira
veio de seu pai, quando ele tinha 12 anos. Era o único lugar
onde ele conseguia se esconder do preconceito e construir
seu próprio mundo, com a ajuda do pai, que construía cenários
para suas produções caseiras. "Descobri bem cedo o poder
da câmera" lembra ele, que desde cedo escrevia seus roteiros,
desenhava storyboards e planejava produções caseiras onde
suas irmãs eram as estrelas - e as grandes sofredores. Steven
não tinha vergonha de judiar delas em prol de um melhor resultado
para seus filmes.
Desde cedo o diretor chamou
a atenção e despertou fascínio em quem o cercava. "As
pessoas me perguntavam se eu sabia que Steven era um gênio"
recorda sua mãe, Leah. Além de gênio precoce, era esperto.
Usou a câmera para se livrar de um velho problema: convidou
simplesmente seu maior torturador, o valentão da escola, para
estrelar um pequeno filme de guerra, "Escape to Nowhere"
e seu inimigo, seduzido pelo estrelato, nunca mais o perturbou.
O filme, por sua vez, custou 50 dólares e ganhou um prêmio
num festival de filmes adolescentes.
"Certa vez, tive de interpretar
uma garota que precisava alcançar uma luz vinda dos céus"
lembra a irmã mais nova, Nancy " e Steven me fez olhar
para o sol. Sabia que era perigoso, mas fiz o que pediu, afinal,
era Steven dirigindo". Esse fascínio despertado pelo
diretor era compartilhado por pessoas de fora da família,
que insistiam em participar de suas produções. O persuasivo
diretor também conseguia o que queria, não importava o que
fosse, para fazer seus filmes, desde fechar uma ala de um
hospital ou um corredor do aeroporto local. "Ele não
aceitava não como resposta" lembra a mãe. Foi graças
a esse poder de persuasão que ele conseguiu lucros pela primeira
vez com um filme, "Firelight", feito com 400 dólares
emprestados do pai. Exibido num cinema local, o filme arrecadou
500 dólares, e Steven, além de pagar o pai de volta, ainda
lucrou seus primeiros 100 dólares.
CONTINUA
EM BREVE...
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