O
MENSAGEIRO DO DIABO
( The Night of the Hunter, Charles Laughton, 55)
Após fugirem de um pastor enlouquecido a bordo de um
simplório barco pelo rio Ohio, as duas crianças
passam a noite em um celeiro. Nos primeiros raios da manhã,
o garoto John acorda e vislumbra no horizonte o nascer do
sol. Vislumbra também a silhueta do pastor e seu chapéu,
melancolicamente montado em um cavalo. Angustiado, pergunta
para si mesmo;"Ele nunca dorme?" A frase de John
reflete o pensamento do público. O primeiro e único
filme dirigido pelo ator Laughton é simplesmente uma
das maiores obras primas da história do cinema. No
personagem do cruel pastor interpretado por Robert Mitchum,
a personificação da demência absoluta.
Na mulher forte e corajosa interpretada por Lilian Gish, sentada
de armas em punho na varanda durante a noite, o modelo de
coragem e persistência na proteção às
crianças. Na canção religiosa entoada
por ambos os personagens, que se encaram aguardando o momento
do confronto, a única ligação, diferenciada
pelo caráter religioso de cada um. Clássico
absoluto, na opinião de Pauline Kael, um dos mais assustadores
filmes da história do cinema, os momentos geniais incluem
a visão do cadáver no fundo rio ( cena tétrica
que consegue ser bela ) ou o grito de ódio de Mitchum
quando as crianças escapam por suas mãos no
rio
TUBARÃO
( Jaws, Steven Spielberg, 1975)
Um grito de horror corta o silêncio da noite e ninguém
ouve. Apenas o público, mas nem mesmo ele vê
o que está acontecendo. Steven Spielberg arrastou multidões
aos cinemas ao transpor para as telas o best-seller de Peter
Benchley e instaurou uma regra muito usada por cineastas dos
anos 50 e 60 quando tinham poucos recursos: instaurou na platéia
o medo do que não se vê. O público só
vê o tubarão depois de mais de uma hora do filme,
mas até então a simples cena de alguém
entrando na água já criava expectativa. A meia
hora final, em contrapartida ao suspense inicial, é
de tal movimentação que nos deixa presos em
frente à tela. Pauline Kael chamou o filme de "deliciosa
comédia assustadora". Com momentos bem balançados
de humor em meio ao show do diretor, é a trilha sonora
de John Williams que dá o tom: seja de mistério,
seja de aventura. Estava tudo no lugar para que o filme se
tornasse um modelo...
JANELA
INDISCRETA
( Rear Window, Alfred Hitchcok, 1954)
Hitchcok sempre fez questão
de frisar que a chave para um bom suspense não está
em surpreender a platéia, mas torná-la cúmplice
- e nunca do protagonista, mas do antagonista. Com raras exceções,
essa é a máxima de sua obra. Não era
o susto, mas a sensação de inevitabilidade.
Não surpreenda as pessoas da sala com uma bomba. Diga
a elas que uma bomba vai explodir em breve - aí, sim,
terá o suspense e a angústia. Associe a isso
uma característica essencial a esse clássico:
a inoperância, a incapacidade, e a sensação
de não poder fazer nada. É isso que o personagem
de James Stewart, preso a uma cadeira de rodas após
um acidente, sente nos momentos cruciais desta trama. Ele
não pode se mexer muito - mas nós, do lado de
cá. nos reviramos na poltrona, angustiados.
UM
CORPO QUE CAI
( Vertigo, Alfred Hitchcok, 1958)
Nem os críticos que não
receberam com tanto entusiasmo o filme ou mesmo Hitchcok talvez
pudessem remotamente prever a importância que as gerações
posteriores dariam a "Um Corpo que Cai". Numa época
em que o mestre do suspense fazia obras primas em série
e numa filmografia tão variada de filmes inesquecíveis
como a do cineasta inglês, este filme é hoje
considerado como o melhor de todos eles. Na narrativa estão
presentes metáfores e alusões que superam tudo
o que o mestre já tinha feito. A obsessão, a
atração, o medo, o tema de "as aparências
enganam" levado às últimas consequências.
Hitchcok pode não ter tido Grace Kelly, mas fez de
Kim Novak uma das loiras loiras frias mais ambíguas
do cinema, e promoveu o apogeu de seu ator preferido, James
Stewart, num conto que ainda hoje intriga e traz novas interpretações.
OS
PÁSSAROS
( The Birds, Alfred Hitchcok, 1963)
Existe uma aura que cerca este
que foi o último do grande ciclo de obras-primas que
Hitchcok iniciou nos anos 50 - aquele tipo de sentimento beirando
o mistério e o medo do inexplicado. Nada de sobrenatural.
Hitchcok era pouco apegado a isso e investigava a fundo o
lado real e sombrio do ser humano. Aqui, desviou-se um pouco
e propôs um enigma: o que aconteceu em Bodega Bay? O
público pode, até hoje, encontrar suas próprias
respostas, já que o diretor expõe apenas os
fatos - e nisso, ele era mestre. Truffatu disse que o cinema
foi inventado para que semelhante filme fosse feito. Vendo
a cena em que os pássaros se juntam no brinquedo atrás
de Tippi Hedren, pouco a pouco, silenciosamente, nós
pensamos, por um momento, se o genial cineasta francês
afinal não estava certo.
M,
O VAMPIRO DE DUSSELDORF
( M, Fritz Lang, 1931)
Uma mãe chama, agoniada,
pela filha. Já anoiteceu e vários crianças
estão desaparecendo misteriosamente. Uma criança
surge na tela enquanto o clamor da mãe recebe como
resposta apenas o vazio do corredor. Um balão voa sozinho,
e revela na parede a sombra de um psicopata. Lang queria que
seu filme tivesse o título "O Assassino Está
Entre Nós". Percebendo uma alusão, o governo
alemão vetou o título. M, de Murderer ( assassino
) bastou, então, para o cineasta. Ainda hoje, é
uma prova do talento de seu realizador - tanto quanto as imagens
que marcaram sua obra, o som tem papel fundamental no filme,
e poucos tinham o domínio da técnica que ainda
era novidade no cinema mundial. Lang não só
tinha como foi um dos primeiros a saber como usá-lo
em proveito do conjunto da obra.
INTRIGA
INTERNACIONAL
( North by Northwest, Alfred Hitchcok, 1955)
Existem duas maneiras de se
analisar a filmografia de Alfred Hitchcok: habitualmente,
seus filmes variavam sobre o cidadão comum envolvido
em situações além de sua compreensão,
ou tramas intrincadas com toques macabros - e um fino humor
negro. Dentro desses dois tipos, haviam os filmes tipicamente
intimistas, ou suspenses do indivíduo, e os thrillers
que usavam o suspense como combustível para a aventura.
Nesse último, "Intriga Internacional" é
unanimemente seu maior filme - um road-movie aventuresco com
um impecável Cary Grant tentando descobrir o que houve
com sua vida pacata agora envolta em espiões internacionais,
chantagem e perseguições. Hitchcok para ontem,
hoje e sempre.
ENCURRALADO
( Duel, Steven Spielberg, 1971)
À beira da insanidade,
o pacato motorista cria coragem e desafia seu opositor. Sai
de seu carro e avança decidido rumo ao caminhão
- qual monstro fumegante de diesel, alma diabólica
sem rosto - parado algumas dezenas de metros à frente.
Quando ele se aproxima, ele acelera e sai, deixando-o com
a fumaça nos olhos. A câmera sobe e mostra-o
solitário, no meio do deserto, no meio da estrada,
no meio de seu pesadelo. Poucos filmes conseguiram perturbar
tanto quanto o longa metragem de estréia de Spielberg,
feito para a televisão. O vilão de seu filme
não é o motorista do caminhão, cujo rosto
nunca aparece. Ele toma as formas do próprio veículo
- a falta de razão que perturba na perseguição
incessante a um homem comum e cada vez mais próximo
da loucura.
PSICOSE
( Psycho, Alfred Hitchcok, 1960)
A dualidade da personalidade
humana e sua demência levados às últimas
consequências. Este foi o maior êxito comercial
de Hitchcok, e talvez seu mais famoso filme. Tem a mais famosa
sequência de todos os seus filmes - cuja autoria ainda
hoje é discutida e contestada - e o mais famoso tema
composto na carreira de Benard Herrman. Marcou a filmografia
de Anthony Perkins, que nunca mais se livrou do personagem
Norman Bates - e parece ter adquirido um pouco da demência
de tão irreal e ao mesmo tempo comum personagem. Tantos
atributos não são em vão. Hitchcok continua
um artista em grande forma - a cena inicial, com a tomada
aérea chegando no quarto de Janeth Leigh, ou a sequência
em que o carro é jogado no pântano - a infalibilidade
do plano posta em dúvida por meros segundos, ainda
assim de pura tensão - são apenas alguns exemplos
de sua maestria.
O
SILÊNCIO DOS INOCENTES
(The Silence of the Lambs, Johnathan Demme, 1991)
Um raro momento no cinema onde
todos os astros parecem confluir para um determinado ponto.
Nesse caso, eles confluíram para o diretor Johnathan
Demme, para Jodie Foster e para Anthony Hopkins. Juntos, eles
fizeram um apavorante conto moderno que trata dos pesadelos
da alma humana mostrando que, ao contrário do que explora
o imaginário popular, não é preciso nenhuma
criatura anormal para nos provocar o medo. O maior inimigo,
a maior besta, é exatamente o homem. Na pele de Anthony
Hopkins, essa besta assume contornos assustadores apenas pelo
seu olhar. Hannibal Lecter é um gênio, mas não
prescinde de seu lado incomum de psiquiatria: devorar seus
pacientes. Curiosamente, é ele o único elo que
liga a jovem agente Clarice Starling ao psicopata Buffalo
Bill. No meio de personagens de tamanha demência, o
que se poderia esperar se não o lado assustador do
ser humano?
|