Eterno
Oeste de Mitos e Lenda
1860 - 1890. Nenhum
período tão curto da história recebeu, até hoje, tanta atenção.
Apenas trinta anos serviram de inspiração para o surgimento daquele
que é o mais americano dos gêneros - segundo a crítica francesa,
talvez o único gênero genuinamente americano. Durante esses trinta
anos ocorreu a fase áurea de expansão colonialista dos Estados Unidos
em direção ao oeste de seu próprio território. Um período curto,
marcado pelo surgimento de lendas e pela bravura trazida pelo tema
do desbravamento e do colonialismo - uma nova terra surgia das mãos
dos trabalhadores e dos homens de coragem.
Era uma terra árida, desértica, selvagem - destinada aos fortes.
Foi um tempo onde se espalharam os feitos de coragem e covardia
de homens que entraram para a própria história americana. Nomes
como os do xerife Wyatt Earp e de Bufalo Bill, personagens reais
que inspiraram diferentes versões de suas histórias para o cinema.
Foi exatamente o cinema que logo percebeu as possibilidades de se
aproveitar toda a magia vinda das histórias da expansão para o oeste
- O Grande Assalto de Trem, de Edwin S. Porter,
pode ser considerado o primeiro policial do cinema, e também o primeiro
western. Alguns dos primeiros heróis do cinema foram os caubóis,
mudos ainda, mas já corajosos no manejo de uma pistola - Tom Mix
e William S. hart fazem parte destes heróis precursores, além do
próprio Bufalo Bill em pessoa.
Colonização do oeste, na época, significava levar o progresso
e as leis da civilização a uma terra bárbara, que reagia aos bons
mocinhos com grande hostilidade. Os índios eram tratados como povos
brutos e violentos - monstros bárbaros combatidos pela intrépida
cavalaria. Essa visão turva prevaleceu durante praticamente toda
a grande fase do western, que durou, de uma maneira mais precisa,
de 1939 até 1969 - trinta anos, exatamente igual ao período que
registra o gênero.
Coinscidentemente, foi justamente com um filme que louvava essa
mesma visão que o gênero tornou-se grande no ano de 1939. Várias
já eram as produções baratas do gênero, exibidas a toque de caixa
nas matinés, com enredos simples - The Covered Wagon (
1922 ), de Raoul Walsh, chegou a chamar a atenção, mas logo o estilo
seria jogado de novo na vala dos filmes comuns. Críticos atribuem
à grande depressão com a crise de 29 o fato do g~enero ter demorado
tanto a agradar o público, que durante um bom tempo preferiu filmes
leves, urbanos, que os fizessem sonhar com uma vida melhor e os
caubóis empoeirados e com roupas rasgadas não eram bem o objeto
dos sonhos dos americanos- mas quando John Ford lançou "No
Tempo das Diligências" em 38, o western tornava-se
um gênero respeitado. O filme, clássico inquestionável, tinha como
herói um ator que já havia feito diversos filmes B de aventura para
pequenos estúdios - John Wayne, que havia estrelado o filme de Walsh
em 22 - e trazia, então, um dos temas mais caros ao gênero: a história
da carruagem que cruza o oeste e é surpreendida por um violento
ataque de índios.
John
Ford reinaria no gênero desde então - mas não de forma absoluta
- com uma série de obras-primas. Dividiria o posto com cineastas
como Howard Hawks ( o único a fazer frente a ele ), Henry King,
John Sturges, William Wellman, Sam Peckinpah e Sergio Leone, entre
outros. O gênero foi visitado por diretores acostumados a pisarem
em outros gêneros, e de forma deslumbrante, como fizeram, entre
outros, Fred Zinneman e George Stevens.
Os anos 40, que viram a aurora do gênero, testemunharam os grandes
westerns de ação. William Wellman lança em 43 "Consciências
Mortas". Três anos depois, é a vez de John Ford lançar
um clássico, "Paixão dos Fortes" - história
do mítico xerife Wyatt Earp, segundo Ford, ouvida da boca do próprio
Earp. E o próprio Ford lançou, em 48, "Forte Apache"
e 49, "Legião Invencível ". No primeiro,
teve Henry Fonda. No segundo e no terceiro , John Wayne, seu ator
preferido e presença constante nos seus maiores filmes ( aliás,
nos grandes filmes do gênero também com outros diretores ).
Já lançada na platéia e gravada a figura mítica do xerife - essencial
para a manutenção da paz numa época de transgressão e dificuldades
em manter a lei - os anos 50 trataram de trazer ao cinema a consolidação
e os anos de ouro do gênero, que viu-se dividido em dois estilos:
o filme de ação e o western psicológico.
Os grandes westerns de ação da época, entre dezenas de produções
baratas que fácil aceitação entre o público - um tema de fácil realização
e pouca diferença em seus argumentos - são produções que, por um
motivo ou outro, diferenciaram-se da produção em geral graças á
qualidade de seus realizadores; "Os Brutos Também Amam"
( 1953 ), de George Stevens - o pistoleiro misterioso que chega
do nada para mudar uma pequena cidade atormentada por um assassino
- "Matador" ( 1950 ) de Henry King -
o tema do pistoleiro mais rápido que todos, tendo sempre que provar
seu valor a quem o desafia - " Vera Cruz"
( 1954 ) de Rober Aldrich - dois homens contratados para escoltar
uma carga, e que decidem roubá-la - e "Sem Lei, Sem
Alma" ( 1957 ), de John Sturges - mais um filme sobre
a vida de Wyat Earp e o duelo lendário contra os irmãos Clanton
no Curral OK e "Da Terra Nascem os Homens"
( 1958 0 de William Wyller - western épico que tem na disputa pela
terra sua motivação principal.
Os
westerns psicológicos, por sua vez, traziam outras preocupações
além da ação. Uma construção psicológica mais bem pensada de seus
personagens proporcionava dramas humanos em meio aos tiros e mortes.
Talvez o primeiro deles tenha sido "Rio Vermelho"
( 1948 ) de Howard Hawks, onde John Wayne interpreta um caubói desafiado
pelo próprio filho adotivo ao levar um rebanho de gado do sul. O
embate entre pai e filho permeia a trama, já descrita como uma "ópera
a cavalo". Os anos 50 viram a consolidação do estilo com clássicos
do porte de "Matar ou Morrer" ( 1952
) de Fred Zinneman, "Johnny Guitar" (
1954 ) de Nicholas Ray e "Onde Começa o Inferno"
( 1958 ) de Howard Hawks. Curiosamente, Matar ou Morrer e Onde Começa
o Inferno oferecem visões opostas: no primeiro filme, Gary Cooper
é o xerife que pede auxílio para enfrentar um bandido mas é ignorado
e abandonado por todos na cidade. Howard Hawks não admitia isso
e em resposta filmou "Onde Começa o Inferno", em que John
Wayne é o xerife que recusa qualquer ajuda para enfrentar bandidos
em superioridade numérica. O maior de todos, sem dúvida, veio das
mãos de John Ford, em 1956. Em sua maior atuação, John Wayne transformou
o personagem Ethan Edwards no maior retrato de solidão, amargura
e obstinação no insuperável Rastros
de Ódio
- western denso e sombrio sobre
a busca incansável de um homem atrás da sobrinha raptada por índios
comanches.
Os anos 60 viu nascer uma corrente fora dos Estados Unidos, de produções
baratas que fizeram grande sucesso pelo mundo - o chamado western-spaghetti.
O diretor Sergio Leone e o ator clint Eastwood foram os nomes que
mais fama fizeram, mas nomes como os de Giulianno Gemma e Franco
Nero também tornaram-se famosos. Leone e Eastwood alcançaram grande
êxito com um western mais satírico que o tradicional de Ford e Hawks,
sempre com a trilha sonora de Ennio Morricone e, constantemente,
a figura do estranho sem nome - comum a todo o western-spaghetti,
de forma geral. Em "Por um Punhado de Dólares"
( 64 ) o diretor fez alusão ao clássico Yojimbo, de Akira Kurosawa.
Iniciou também uma trilogia, completada com
"Por uns Dólares a Mais" (65) e "Três
Homens em Conflito" (67), o melhor deles - que trouxe,
de quebra, um dos mais famosos
temas musicais do gênero.
Nos Estados Unidos, é o começo do fim para um gênero genuinamente
americano. John Sturges faz uma homenagem a um clássico de Akira
Kurosawa - o diretor japonês sempre foi fonte de inspiração para
o gênero, apesar de, assumidamente, inspirar-se neles para fazer
seus filmes - em 1960. "Sete
Homens e um Destino" inspira-se
em "Os Sete Samurais" e faz sua própria história. Tornou-se
um dos grandes westerns do cinema e trouxe a mais conhecida de todas
as trilhas musicais - um tema para o próprio gênero. Em 63, Henry
Hathaway, George Marshall e John Ford dirigiram o ambicioso "A
Conquista do Oeste" - o título diz tudo - com um elenco
de astros. Em 61, Marlon Brando teve sua única experiência na direção,
com um western psicológico, "A Face Oculta".
Ao longo da história, outros nomes de peso deixaram suas marcas
no gênero, como King Vidor em "Duelo ao Sol"
( 1946 ) e o próprio John Wayne dirigindo, em "O Álamo"
( 1960 ). Em 69, Wayne receberia enfim o Oscar merecido por uma
brilhante carreira com "Bravura Indômita",
pouco antes de morrer.
Parecia
que o western previa seus últimos instantes de genialidade. No mesmo
ano da premiação de Wayne, herói maior do cinema americano, surgiam
as três últimas obras-primas a encerrarem um ciclo na história do
cinema. "Butch Cassidy" de George Roy
- Hill - western alegre, descompromissado e movimentado com Paul
Newman e Robert Redford - "Meu Ódio Será Tua Herança"
- apologia ao próprio fim do gênero dirigida por Sam Peckinpah,
contando a história de veteranos bandidos aplicando seu último golpe
- e "Era uma vez no Oeste" - obra-prima
máxima do diretor Sergio Leone trazendo um dos mitos do gênero,
Henry Fonda, pela primeira e única vez no assustador papel de vilão.
Os anos 70 teriam tentativas frustradas de fazer o gênero retornar
aos bons tempos. Os dois únicos filmes que conseguiram alguma atenção
foram filmes comprometidos socialmente com a lembrança dos verdadeiros
donos do território invadido pelo homem branco. A defesa dos índios
como seres humanos e não meros inimigos hostis e selvagens chegou
com força em "O Pequeno Grande Homem"
( 1970 ) de Arthur Penn e "Um Homem Chamado Cavalo"
( 1970 ) de Elliot Silverstein, com marcantes desempenhos, respectivamente,
de Dustin Hoffman e Richard Harris. A premissa, no entanto, não
era nova. O precursor no estilo foi "Flechas de Fogo"
( 1950 ), de Delmer Daves, com James Stewart - outro mito do gênero
que compôs com o diretor Anthony Mann grandes obras como "Winchester
73", de 1950 - Stewart estrelaria grandes clássicos
de outros diretores também, como "O Homem que Matou
o Fascínora" ( 62 ) de John Ford. foi nesse filme
que o personagem de Edmond O'Brien disse a frase que norteou a própria
carreira de Ford: "Quando a lenda é mais interessante que a
realidade... imprima-se a lenda".
Dos grandes mestres, apenas Sam Peckinpah resistiu nos anos 70,
com "Pat Garret & Billy the Kid",
de 73. Mas o gênero já agonizava. Prova da dificuldade ocorreu com
"O Portal do Paraíso"
( 1980 ) de Michael Cimino, o maior fracasso comercial da história
do cinema, que faliu a United Artists. Silverado
( 85 ) de Lawrence Kasdan, ainda trouxe algum sopro de vida ao gênero
- mas ele carecia, então, de novas idéias num cinema já completamente
voltado aos efeitos especiais e ao apelo comercial.
Em 1990, Kevin Costner descobriu o potencial do western como filme
épico e fez de "Dança com Lobos" - um
hino pacifista em favor da cultura indígena - o grande vencedor
do Oscar com 07 prêmios, incluindo melhor filme e direção. Abriu
uma porta para o renascimento do gênero. A vitória no Oscar, em
92, de "Os
Imperdoáveis"
de Clint Eastwood mostrou que ainda havia muito o que explorar no
gênero. Um dos seus maiores mitos provocava neste filme a desmistificação
de vários de seus postulados ( não existem heróis ou vilões e todos
tem seus erros a confessar e a pagar ). A partir de então vários
filmes invadiram o mercado: "Maverick",
"Quatro Mulheres e um Destino", "Wyatt
Earp", "Tombstone", "Lendas
da Paixão", "Newton Boys". Alguns com alguma
qualidade, como o mal avaliado e mal recebido "Wyatt Earp"
de Lawrence Kasdan... ou a ótima aventura proporcionada por "Tombstone"
de George Pan Cosmatos - ambos contando a mesma história clássica
do xerife Wyatt Earp.
O western não traz filmes em quantidade e qualidade como antigamente,
e não é mais como era, com certeza, mas permanece o mais americano
e legítimo de todos os gêneros da terra do tio Sam a povoar as telas
do cinema com heróis de carne, osso e muita coragem. Que viva para
sempre.
Criada por Fábio Luis Rockenbach
- 2001
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Ford
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